segunda-feira, 11 de agosto de 2008


A maçã em três atos (continuação) : II Amarga e duvidosa


Como disse a minha prima, Cristiane: a minha sorte foi que a minha maçã não tinha bichos.
Será ?
Ou será que eu não quis ver os bichos e comi mesmo assim, na pressa, e agora eles moram dentro de mim e em vez da maçã se alimentam do meu interior ?
A avidez e o desespero foram tão grandes, que só depois de satisfeito o desejo vem a pausa do raciocínio. Raciocínio ?
E se não tiver raciocínio nenhum e isso for a desculpa para simular uma tomada de consciência que jamais existiu ou virá a existir ? Uma saia de renda e fita de cetim cor de rosa para disfarçar a brutalidade animalesca do desejo ?
E se não tiver raciocínio nenhum e a maçã for exatamente o que parece: linda, deliciosa, fonte de sensações e prazeres e completamente indigesta.
Você pagaria o preço da indigestão ?
Eu paguei.
Talvez a gente precise acreditar que existe um momento da “tomada do raciocínio” para nos vermos mais humanos. Que medo de sermos movidos pelo desejo, de usarmos as sensações como paliativos da crueldade cotidiana, de sermos “capazes” de fazermos escambo no mercado negro das emoções. Que vergonha, não ?
Mas somos. Todos nós somos.
Religiões, cachorros, parques aos domingos, sorvetes com cobertura, shopping e cinema.
E no fundo uma maçãzinha escondida, esperando, aguardando, perfumada, sóbria, esteticamente perfeita, para ser possuída.
Porque os contos de fadas, os prozacs e os “doces” já não bastam. Porque não basta a TV e a pizza.
Precisa doer, sangrar. Precisa ser segredo. Precisa esconder.
Aí a gente sorri, caminha no sol, compra um tênis novo, passa batom e vai as compras.
Fingindo que não pole os dentes para que a mordida seja mais afiada e profunda quando for comer a próxima maçã.
E se a metáfora bonitinha esconder um calabouço fétido e escuro de agonias ?
Você se deixa levar ?
Você se deixaria levar ?
A verdade (se é que existe alguma verdade) é que hoje é segunda feira e o pomar esta cheio. Well, eu não vou cair na armadilha de me(e te) perguntar “qual o sentido da vida?”, pra não virar chacota de Virginia Woolf (sarcástica em Orlando) ou Voltaire (irônica em Candido), pra não citar muitos outros mais, fico nos meus favoritos.
Se ficar difícil demais de mastigar (quanta arrogância) recomendo, Balzac, Flaubert ou até mesmo Clarisse.
Se você nunca tentou, recomendo cautela, doses elevadas podem levar ao vômito, ou no máximo, o suicídio. Bom, eu estou aqui pra contar a história.

Uma beijoca